Para celebrar os 15 anos do "Teatro na Justiça" em alto e bom nível, o Centro Cultural do Poder Judiciário (CCPJ) traz o grandioso espetáculo de Friedrich Dürrematt, "A visita da Velha Senhora", com uma formação colossal, acabamentos de cenários e figurinos impecáveis, oferecendo um teatro de arena da forma mais clássica e Burlesca possível.
CURTA O EM NEON NO FACEBOOK
Ao ingressar na sala pude perceber que o espaço ao centro era bem pequeno e fiquei me perguntando como eles conseguiriam apresentar uma peça de forma decente e de qualidade, com 12 atores, naquele espaço reduzido? A peça começou e todo o mágico e magnânimo toque dos deuses do teatro se fez presente e pude ter minha resposta plenamente respondida.
Aos cantos da sala encontram-se cabideiros com roupas penduradas e o ambiente possui reentrâncias nas quais parte do elenco consegue se ausentar e depois retornar muitas vezes, como outros personagens, por sinal isso é algo que ocorre alguns momentos com os atores chaves, que se dignificam de forma dinâmica e com uma presteza incomum a assumirem papéis pequenos, mas de suma importância ao andamento da história.
A direção de Silvia Monte é tão bem aplicada, que até o mais distraído e disperso dos espectadores, consegue entender a diferença de personagens importantes dos figurantes.
Silvia é o tipo de diretora que se atêm a pequenos detalhes, todas as minúcias para ela são fundamentais, coisas que poderiam passar incólumes e que eu nem teria a ousadia de perceber ou mesmo criticar. Percebi em uma determinada cena que a personagem da "vendinha" segurava em suas mãos um caderninho de anotações e que realmente é verdadeiro, com o nome do comércio e uma lista de nomes e valores, uma tabelinha muito bem feita e real, feita para a peça, fantástico isso.
Infelizmente o brasileiro sempre se queixa das coisas erradas e desvaloriza o que lhe é oferecido, as pessoas em conversas e rodas de amigos, muitas vezes reclamam dos altos preços cobrados pelos espetáculos teatrais e dizem que se fossem mais baratos iriam mais vezes, isso por parte é uma verdade, mas por outro lado, quando um espetáculo é gratuito, eles dizem que é algo sem graça, que não presta e que não vale a pena, isso sem nem se dar ao direito de assistir.
Ledo engano. Tudo nesse espetáculo é pensado e dirigido para que as pessoas possam encontrar o melhor do teatro, tal qual os grandes marcos gregos e romanos, as grandes apresentações modernistas e do auge do teatro brasileiro, toda uma dinâmica de interpretações vivas e marcantes. Os detalhes nessa peça são precisos e preciosos, nada ali é mal acabado ou feito com desleixo, pelo contrário, é uma obra artisticamente criada e finalizada, que se fosse em um outro teatro italiano, poderia ser cobrado, tranquilamente, preços exorbitantes, que os pagantes sairiam felizes e satisfeitos. Essa foi a intenção do CCPJ, oferecer o melhor ao público para celebrar um momento tão importante e grandioso de sua estrutura, como um belíssimo Centro Cultural.
Quando a peça começa, já podemos observar o requinte dos figurinos de Pedro Sayad, que com certeza foram resultados de um trabalho de pesquisa de qualidade. Os objetos cenográficos dispostos, posicionados e utilizados por José Dias, para a construção e desconstrução de cenas, é algo formidável, isso sem falar na iluminação muito bem criada e dirigida por Elisa Tandeta, que valoriza cada momento como se fossem o clímax da peça, assim como toda a sonorização existente.
Um detalhe que me chamou muita atenção é quando cenas são protagonizadas em uma floresta e os sons de bichos e plantas são feitos por atores camuflados com galhos em cena, ficou tão perfeita e tão delicadamente produzida, que se um dia resolverem substituir por sons gravados, tirarão o encanto dessas cenas. O aproveitamento pleno de toda a sala é algo que encanta. Cada espectador se sente participante da peça, pois os assentos acabam fazendo parte de alguma cena da peça, uma Igreja, a varanda da casa da velha senhora, a lojinha da cidade ou o tribunal. A peça pode ser vista por vários ângulos e com isso acabamos nos sentindo íntimos dos personagens e dessa forma observarmos proximamente as atuações dos atores em cena.
A história retrata a vingança, a amargura e a eterna vontade de se fazer justiça à duras penas. Uma mulher que foi escorraçada grávida de sua cidade devido a uma traição de seu amante em uma total irresponsabilidade e insensibilidade por parte dele. Ela teve que seguir em frente, como se fosse uma prostituta e passou por muitos obstáculos, até conseguir vencer na vida, se casando com milionários e juntando uma grande quantia. Quando ela resolve voltar à sua cidade, todos a aguardam com pompas e sorrisos. Mas será que a visita dessa velha senhora será boa? Pra quem será? Será que todos estão felizes? A vingança dela será ou não executada? Um texto muito bem criado com noções firmes de início, desenvolvimento e conclusão, bem cíclico e fechado.
Quem vive a Velha Senhora é a atriz Maria Adélia, de grande veia teatral em sua longa experiência de peças e trabalhos bem executados. Ela se mostra bem altiva e detentora de uma confiança e segurança bem digna de uma atriz de peso e competência. Seu talento, assim como sua psotura e aparência, nos remetem quase que instantaneamente à grande atriz Tereza Rachel. Adélia impregna a sua personagem com uma seiva de rancor e iniquidade, a coloca brilhantemente de forma orgulhosa e insensível acima de todos à sua volta. Sua genialidade em compôr essa mulher de sentimentos baixos e aniquiladores foi sensacional, seu tom é sempre alto e seu gestual é muito bem elaborado e finalizado.
Outro destaque na peça é, sem dúvida, o grande amante de seu passado, interpretado também de forma talentosa pelo ator Marcos Ácher. que de cena em cena desconstrói seu personagem a medida que ele vê que a cidade, que antes o adorava, começa a se afastar dele e querer que ele pague e seja punido por seus atos e consequências. Ele se vê sozinho e abandonado até mesmo por sua família e amigos próximos. No início ele é interesseiro, fingido e frio, quando se vê alvo de seus sentimentos, acaba se tornando mais humano, amedrontado e perturbado.
A peça também conta com uma interpretação de elogios de Rogério Freitas e seu brilhante Prefeito, mais preocupado em seus próprios ganhos e lucros e nem um pouco com o que essa grandiosa visita acarretará na cidade. Seu personagem é comedido e econômico em gestos e falas, talvez por isso ele se inclua de forma tão magnífica em cena, onde podemos contar mais com suas expressões e posicionamento, do que falas desnecessárias. Um ator de corpo e de expressões, como poucos se acham por aí afora. Sua presença é notada e centralizada mais em seus sentimentos externados por seu talento do que pelo que ele poderia falar.
Mas embora essa peça conte com esses três grandes trunfos, não diminui o enorme talento e capacidade que todo o elenco possui. Toda peça é assim, existem os protagonistas e os coadjuvantes, que sem eles nada poderia ser executado. Isso é observado e notado em "A Visita da Velha Senhora", todo o elenco se empenha para que o foco da narrativa seja passado com sucesso. Toda e qualquer vaidade de querer se fazer notar por meio de interpretações exageradas e por conta de egos exacerbados, não existe nessa peça, o que vemos é colaboração e uma engrenagem funcional onde a base de um texto forte é colocada em ação por todos os seus elementos.
Tal qual o açougueiro de André Frazzi, que embora seja um personagem de colocação pequena no texto, a atuação do ator é importante e imposta com sabedoria ao propósito desejado, tornando assim momentos de grandes cenas sempre que ele aparece. Já o jovem Pedro Lamim, embora de idade destoante e inferior quanto à maioria do elenco, soube aproveitar de forma inteligente sua participação na peça. Busca seu personagem já com bastante clareza de movimentos e entonações, aproveitando bem uma excelente direção e mostrando uma maturidade, que desse trabalho o empurrará para outros cada vez melhores. Anita Terrana atriz de grandes qualidades e experiências também é um trunfo da peça com sua dócil e maternal personagem, que mesmo interesseira, sabe demonstrar uma preparação teatral que faz sua personalidade realmente parecer desinteressada. A peça ainda tem em seu elenco atores de grande talento como: Sávio Moll, Eduardo Rieche, Paulo Japyassú, Laura Nielsen e Renato Peres, que dão um show de interpretação.
A apresentação conta com suaves momentos de trilhas sonoras executadas elegantemente e com um talento incrível do músico Pedro Messina, entoando de forma melódica todo o enredo da peça, com temas suaves, fortes, emotivos e marcantes. Por tudo isso escrito acima, é que posso afirmar que "A Visita da Velha Senhora" será um grande marco na história do Centro Cultural do Poder Judiciário. Um trabalho imponente, consistente e obrigatório para todo e qualquer ator ou grupo teatral assistir e dele tirar ótimas noções de interpretação, aproveitamento de espaço e direção.
Leiam agora o que os responsáveis por esse grandioso espetáculo falam de seus trabalhos, nessa montagem:
"É muito bom contar uma história tão bem escrita! Melhor ainda, fazendo um personagem difícil e complexo como o Alfredo Schill. Com certeza, um dos trabalhos mais instigantes da minha carreira. E o que dizer desta equipe? Amigos queridos, talentosos e divertidos! Entrar em contato com o mundo criado por Durrenmatt, com discussões tão pertinentes (a barbárie e o limite do ser humano), com profissionais como estes... É muito prazeroso, na certa!" (Marcos Ácher)
"Vejo o prefeito como o símbolo maior da falta de convicção dos valores humanistas - estaria ele lutando com seus conflitos internos até se corromper; ou trata-se de um dissimulado, fazendo valer as “várias faces do poder”? - questões que o tornam mais rico, dando mais oportunidade para o trabalho de ator." (Rogério Freitas)
"A Visita da Velha Senhora" é o meu segundo trabalho com Sílvia Monte no CCPJ, de modo que participei do projeto desde o comecinho, fazendo as leituras preliminares e chamando colegas para o elenco, que acabou ficando genial e com quem tenho muito orgulho de trabalhar. Durremmatt é um autor denso, que nos exige o equilíbrio entre o trágico e o cômico, entre a delicadeza e a ferocidade. E os personagens que me couberam, o Pároco e o aluado Hemelsberguer, são para mim um exercício delicioso." (Paulo Japyassú)
"Contar essa história com as palavras de Durrenmatt, só me faz entender melhor o que é preciso para um texto se tornar clássico. Os conflitos de personagens da distante Suíça da década de 50, ainda são pertinentes nos tempos de agora e nos apresenta figuras e tipos que são vítimas de seus próprios desejos e ambições. Orgulho-me de poder estar participando desse projeto e poder dar acesso livre a essa obra tão significativa." (André Frazzi)
"É muito gratificante e uma grande responsabilidade participar de uma montagem de Duhemat, dividindo o palco com tantos atores talentosos. Minha experiêcia em teatro sempre foi como músico, “protegido” atrás do meu instrumento, mas agora que tive a oportunidade de atuar e desenvolver um trabalho como ator, descobri uma nova paixão, fui muito bem recebido por toda equipe e esse apoio foi fundamental durante o processo." (Pedro Messina)
"Honrado. Assim é como me sinto. Ter a chance, no início da minha carreira, de montar um clássico do teatro mundial, trabalhando e trocando com atores tão generosos e experientes, sem dúvida é um presente indescritível. Na peça, tenho a oportunidade de conduzir quatro personagens, e assim, poder vivenciar por ângulos bem distintos as camadas pelo qual o autor vai dissecando os valores humanos, nos fazendo perguntar pelo o que realmente somos movidos. Quando assistimos ou lemos uma peça como essa, entendemos um pouco sobre a importância da arte na vida e o quanto ela é necessária para o nosso desenvolvimento."(Pedro Lamim)
"Eu acho Maravilhoso poder fazer esse personagem e acho ainda maravilhoso ele poder estar em cena durante seis meses. E ainda super maravilhoso de estar sendo subsidiada pelo Centro Cultural do Poder Judiciário que deve ser conhecido, e que o ingresso é gratuito para todos. É muito importante todos terem consciência de ver um espetáculo maravilhoso, com um super elenco e falado em português é lógico."(Maria Adélia)
"O processo desta montagem teve o encontro de vários aspectos positivos, a começar pelo texto inteligente, um clássico que aborda e critica o homem, seus pactos sociais e até quando permanecemos fiéis a nossos valores. Mérito de uma direção estudiosa, determinada e ousada por colocar 12 atores em cena, uma produção séria e competente e um elenco excelente de grandes atores do nosso teatro, que dá o maior prazer de contracenar!"(Sávio Moll)
"Já conhecia o trabalho da Silvia Monte e do Centro Cultura do Poder Judiciário. Tive oportunidade de assistir sua direção em o “Inimigo do Povo” que muito me agradou. Fique muito grata quando fui chamada para participar da montagem de "A Visita da Velha Senhora", participando desse projeto que é muito importante para o panorama cultural da nossa cidade. Na peça tenho a oportunidade de interpretar vários personagens que dimensiona meu exercício de atriz, principalmente por ser esse um texto extraordinário de Dürrenmatt, tão atual sobre o capitalismo e as tentações humanas que levam à corrupção, e também por estar numa equipe muito talentosa."
"Me sinto muito feliz em fazer Bobby, o mordomo de Claire Zahanassian, por ser um personagem enigmático e que, apesar de ter poucas falas, no decorrer da peça traz à tona grandes revelações sobre o conflito principal. Também estou adorando trabalhar com esse elenco adorável que sabe contar tão bem essa história tão bem escrita."(Renato Peres)
"É um prazer fazer o professor que é o último referencial ético em meio a uma comunidade já totalmente corrompida - embora ele também acabe cedendo à tentação quando percebe que o principal afetado, Schill, desistiu de lutar."(Eduardo Rieche)
"Considero um privilégio participar da montagem de um texto clássico de tamanha qualidade. Para mim é um desafio delicioso a oportunidade de experimentar diversos papéis."(Laura Nielsen)
FICHA TÉCNICA
A Visita da Velha Senhora
Autor: Friedrich Dürrenmatt
Tradução: Mario da Silva
Direção e Adaptação: Sílvia Monte
Direção Musical: Marcelo Coutinho
Elenco: Maria Adélia, Marcos Ácher, Rogério Freitas, Eduardo Rieche, Paulo Japyassú, Sávio Moll, Laura Nielsen, Renato Peres, André Frazzi, Anita Terrana, Pedro Lamim, Pedro Messina (violonista).
Cenário: José Dias
Figurino: Pedro Sayad
Iluminação: Elisa Tandeta
Direção de Produção: Renata Blasi e Ana Paula Abreu
Realização: Centro Cultural do Poder Judiciário do Rio de Janeiro e Diretoria-Geral de Comunicação e Difusão do Conhecimento Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
SERVIÇO
Temporada: de 2 de fevereiro a 29 de julho, de segunda a quarta-feira, às 19h
Local: Sala Multiuso – CCPJ-Rio / Antigo Palácio da Justiça
Endereço: Rua Dom Manuel 29, Centro, Térreo - Rio de Janeiro – RJ
Capacidade: 54 lugares
Duração do espetáculo: 120 minutos/ com intervalo de 10 minutos
Recomendação etária: 14 anos
Entrada franca com distribuição de senhas 30 minutos antes do início da sessão.
CCPJ-Rio
Telefones: (21) 3133-3366 / 3133-3368
Fotos: Marcelo Carnaval / Divulgação e Facebook dos atores
Por: João Loureiro Filho - CLIQUE AQUI e leia mais artigos de João Loureiro Filho
João é ator, cantor, mas descobriu-se crítico e aí sim viu que suas opiniões poderiam ajudar muitas pessoas a se decidirem e se descobrirem diante de assuntos dos quais ignoravam, desconheciam ou não davam importância. Participou ativamente de projetos de cinema e teatro, fez um blog de filmes temáticos LGBT. Em breve irá lançar um livro sobre como explorar bem Enredos Carnavalescos.