"Picture yourself in a boat on a river / With tangerine trees and marmalade skies / Imagine você mesmo em um barco em um rio / Com árvores de tangerina e céus de marmelada"
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Você não deve estar entendendo nada. Será que começou a novela das 21h? Será que eu sou na verdade o grande autor Aguinaldo Silva disfarçado? Não, nada disso. Embora a coincidência da música de abertura ser a mesma que deu o título dessa peça, escreverei sobre "Beatles num Céu de Diamantes" e não sobre "Império". Aqui você não encontrará o Comendador, Cora e Cia, e sim atores competentes, bonitos e talentosos, dirigidos impecavelmente por Charles Moeller e Claudio Botelho. Os atores entoam lindas e bem interligadas canções dos Beatles, criando assim algumas histórias que, mesmo independentes, acabam se atando, gerando um belíssimo espetáculo.
Com uma iluminação azul e amarela na maior parte do tempo, com canhões certeiros, bem direcionados, marcados e momentos de semi penumbra, o iluminador Paulo César Medeiros conseguiu criar uma atmosfera bem peculiar e que desenha um sentimento cênico no decorrer da trama, que envolve tanto o elenco, quanto o público em sua poltrona. E o figurino de Carol Lobato então nos faz esquecer completamente que estamos em 2015: Calças justas e bocas de sino, batas, camisas abertas no peito e isso sem falar no acabamento de detalhes dos sapatos e acessórios, aliando isso tudo com os penteados, maquiagens e cortes de cabelos, que transportam mentalmente todo o teatro a décadas atrás.
O cenário constituído por um muro de fundo, que até então não diz nada. Seria um muro que dividiria o nosso mundo do "Céu de Diamantes"? Bem, isso vai da imaginação de cada um e a concepção desejada pelo cenógrafo Moeller. Quanto aos objetos cenográficos, apenas algumas malas e uns guarda-chuvas, que em alguns momentos desenham e marcam coreografias bem feitas e dirigidas, aliás, em todo o decorrer do espetáculo, as coreografias nos fazem entender completamente toda a trama desejada, a sincronicidade, as marcações e principalmente o aproveitamento do espaço. Isso tudo é observado por muitos da plateia. Tudo é utilizado brilhantemente.
Um detalhe surpreendente nessa produção é a ausência de diálogos, e há somente um momento em que uma frase é dita em português, pois todo o espetáculo é composto de músicas famosas e marcantes dos Beatles, em sua língua original, mas com interpretações mais dramáticas, vivas e atuais. Embora esse musical seja antigo e com várias formações e alterações, a essência é a mesma, mudaram algumas músicas, mas a estrutura cênica é imutável e a compreensão de nada fica diminuída se a pessoa não souber inglês, pois tudo é planejado para que a compreensão seja imediata.
Por ser uma produção da dupla CM&CB, lógico que já se prevê um resultado final de primeira linha, porém, o surpreendente é que o espetáculo não agrada pelos seus atrativos de efeitos e grandiosidade (que não possui) e sim, pela única e poderosa atração: as vozes. E os cantores não ficam gritando para mostrar que sabem cantar, eles acalantam nossa audição com vozes suaves, prazerosas e oníricas. Onde a preocupação é valorizar as músicas, a história e principalmente o desfile harmônico e não se exibir e ostentar talento. Poucas vezes eu vejo artistas que fazem a arte pela arte e não pela fama.
O repertório conta com músicas como: "Yesterday", "Let it Be", "Help", "Hey Jude", "Yellow Submarine" (engraçadíssima por sinal), "Ticket to Ride", mesclando sempre, músicas românticas, agitadas, engraçadas e surreais. Quem é fã de Beatles, com certeza irá se emocionar e ficar orgulhoso pelo respeito que o musical teve com a obra do grupo. Quem não é fã, mas conhece um pouco do quarteto, com certeza já sairá dali correndo para entrar em um Fã Clube. O que se ouve, agrada, uma coisa é certa, a pessoa pode até não conhecer a obra completa, mas que todas as músicas, uma vez ou outra, já foram ouvidas isso é óbvio, se você tem mais de 18 anos, se tiver menos, pelo menos a metade delas.
Que todos cantam brilhantemente isso é inquestionável, mas existe uma voz que chega a ser duvidosa, quase humanamente impossível. Essa mulher é sem dúvida tocada por Deus e anjos, pois ela consegue tons e timbres que emocionam, arrepiam e arrancam aplausos em cena aberta, antes mesmo das músicas que ela canta acabarem. Ela é o alvo dos maiores elogios e espantos de toda uma plateia. Eu ouvia ao meu lado coisas como "Ela é um monstro!", "Não pode ser ela mesma!", "Como é que pode?", "Queeeee Vozzzzz", isso sem falar em palavrões que já foram brilhantemente explicados por Veríssimo, que expressam melhores que quaisquer outras palavras da língua portuguesa. Estou falando de Kacau Gomes, a dona dessa voz, e que por uma sorte nossa ainda continua cantando mesmo estando grávida e com uma ostentosa barriga proeminente a ponto de estourar a qualquer momento. Será que vem daí sua potência? Será que ela canta por dois? Aí é covardia com os outros do elenco.
A peça tem um aproveitamento extra de dois de seus atores em outros talentos, o jovem Jonas Hammar tem uma força na percussão, que deixaria qualquer percussionista de uma escola de samba de queixo caído. Ele é firme, rítmico e potente. Faz com que fiquemos preocupados com suas mãos, pensando se ele pode se machucar ali e talvez comprometer sua participação na peça. Mas isso não acontece. Ele faz brincando, ele canta, dança, e toca como ninguém, um "ogan" para terreiro nenhum botar defeito. Lui Coimbra é outro que também possui duas funções, além de cantar em algumas músicas e até se arriscar em umas coreografias, ele também é o responsável pelo agradável som de cordas do violoncelo.
Os maravilhosos momentos interpretados diretamente ao público são inesquecíveis. Em momentos que alguns fazem solo no meio da plateia e também quando eles se sentam na beira do palco e começam a cantar para nós, como se estivéssemos em um delicioso luau ou fizéssemos parte do musical. Com isso eles conseguem arrancar não só suspiros e lágrimas de todos, mas conseguem fazer com que todos cantem juntos, batam palmas e acompanhem esses talentos da emoção.
Por tudo isso e muito mais, você não pode perder esse maravilhoso espetáculo musical e toda vez que você estiver em sua casa e a "musiquinha" da novela tocar, você nem vai se lembrar de Maria Marta Medeiros e sim que você teve o prazer de desfrutar de uma excelente produção brasileira com enormes talentos.
Ficha Técnica
Gênero: Musical
Diretor: Charles Möeller & Claudio Botelho
Elenco: Malu Rodrigues, Marya Bravo, Kacau Gomes, Estrela Blanco, Jules Vandystadt,
Pedro Sol, Rodrigo Cirne, Sergio Dalcin, Tony Lucchesi, Lui Coimbra, Jonas Hammar
Figurino: Carol Lobato
Cenário: Charles Moeller
Iluminação: Paulo César Medeiros
Sound Designer: Marcelo Claret
Produção Executiva: Edson Lopes
Direção Artística: Tina Salles
Serviço
Teatro do Leblon — Sala Marília Pêra (462 lugares)
Rua Conde Bernadotte, 26, Leblon, Tel: 2529-7700
Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. R$ 80,00 a R$ 100,00
Até 1º de março de 2015
Fotos: Facebook do espetáculo (Divulgação) / Reprodução/Site MoellerBotelho
Por: João Loureiro Filho - CLIQUE AQUI e leia mais artigos de João Loureiro Filho
João é ator, cantor, mas descobriu-se crítico e aí sim viu que suas opiniões poderiam ajudar muitas pessoas a se decidirem e se descobrirem diante de assuntos dos quais ignoravam, desconheciam ou não davam importância. Participou ativamente de projetos de cinema e teatro, fez um blog de filmes temáticos LGBT. Em breve irá lançar um livro sobre como explorar bem Enredos Carnavalescos.