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Casa de Cômodos - Surpreendentemente evolvente |
Noite de sábado, quase nove da noite. Corremos, pois estamos atrasados. Estamos prestas a assistir a peça "Casa de Cômodos", em cartaz no Solar Botafogo (Rio de Janeiro).
As peças "Casa de Cômodos" e "A Prostituta Respeitosa" fazem parte do projeto "Sartre Mais Uma".
Apesar de conhecermos o release enviado pela produção, pouco sabemos do que esperar. O tema, "preconceito racial", parece gerar algum tipo de "pré-conceito" sobre o que veremos. Imaginamos que aí vem os antigos clichês que o tema inspira, pensamos em coisas que já vimos... e o elenco de seis personagens em uma peça de duas horas de duração, preparam a mente para críticas negativas.
Como tudo seria arranjado? Seríamos convencidos ou transportados para a história? Todas as nossas perguntas foram respondidas quando as luzes do teatro se acenderam.
Já nos primeiros segundos uma grande empatia tomou conta da sala. Personagens firmes, confiantes guiados por vozes de um passado pouco lembrado, nos fazem questionar nossas raízes. Quais seriam as histórias engavetadas de nossos antepassados que chegaram ao Brasil, em um tempo em que brancos sequer reconheciam negros como "pessoas"?
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Marco Aurélio Hamellin e André Frazzi os primos portugueses |
A peça se passa em uma casa cujo o dono, interpretado incrivelmente por Marco Aurélio Hamellin, um senhor português já com seu "jeitinho brasileiro" de resolver as coisas. E um desses "jeitinhos" é sobre alugar quartos para rapazes e família. O senhor acaba de receber seu primo de Portugal, um sujeito que abomina esse país assim que chega. Para ele é assustador viver num lugar em que os negros, outrora escravos, agora andam "livremente" pelas ruas, vivem como "gente", falam, se expressam e "pensam".
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Adriana Zattar a moça solitária que tem a vida drasticamente modificada |
Na casa de cômodos existe uma moradora solitária, moça de família, costureira trabalhadora, mulher à frente de seu tempo. A personagem ganha vida e realidade impressionantes na interpretação delicada de Adriana Zattar. Vivido por André Frazzi, o primo recém chegado, encanta-se com a moça. Já ela, percebe rapidamente que a mentalidade antiquada e moralista do rapaz não fazem o seu tipo.
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Kenya Costa vive uma personagem forte |
Em um dos quartos, vive um casal negro e sua filha, já quase uma mulher, os três são empregados da casa. Déo Garcez está majestoso interpretando o velho pai de família e forma um par perfeito com "sua velha", vivida pela experiente e talentosa Kenya Costta, irreconhecível no papel. Já a filha "rebelde" do casal ganha uma pitada de humor genialmente sutil na interpretação de Soraia Arnoni.
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Soraia Arnoni a menina rebelde com humor sarcástico |
A vida de todos vira um inferno quando a costureira é acusada, injustamente, de receber homens para práticas sexuais no banheiro coletivo da casa. Mas da verdade poucos sabem. Um jogo de interesses, autodefesas, descobertas e injustiças tomam conta do palco, que nesse momento, já faz com que nos sintamos moradores do local.
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Deo Garcez o velho pai com poder de decisão pela família |
Daí em diante, a história segue em um crescente que só quem assistir será capaz de crer. Luz, trilha sonora, cenografia, figurinos, interpretações e a direção primorosa de Marcelo Marques, aliados ao texto coeso de Cecília Terrana, fazem de "Casa de Cômodos" um espetáculo com ar de novela, dessas que quando reprisa não queremos perder. A entrega e a harmonia dos atores em cena nos convence e é impossível não nos sentirmos conectados ao drama.
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Ao final do espetáculo a catarse é inevitável |
Completamente envolvidos na história, assistimos o desfecho das personagens. Já não queremos sair da Casa de Cômodos, mas as luzes se apagam e nos resta aplaudirmos, em pé, por minutos incontáveis, ao excelente espetáculo que tivemos o privilégio de assistir.
Para maiores informações sobre o projeto "Sartre Mais Uma",
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Imagens: Facebook Sartre Mais UmaPor: Maurício Code e Eduardo Moraes para o Em neon