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Em Contato: Pastor Drag Queen fala sobre seu lado militante e religioso



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Na edição de junho da coluna EM CONTATO, vocês poderão conhecer um pouco do trabalho do Pastor Marcos Lord (que também é conhecido como a Drag Queen, Luandha Perón)! Se ele(a) é “muita informação” pra você, imagine o reboliço que o religioso causa, quando Luandha é quem celebra os cultos em sua igreja!?! Quer saber um pouco mais sobre esse e muitos outros "baphos"!? Leia a entrevista que ele nos concedeu! Saiba o que ele pretende e conheça um pouco mais sobre o seu trabalho! Tudo isso, agora, exclusivo para os leitores do site EM NEON!
Confira a entrevista:



Marcello Taurino: Olá Marcos Lord! Quem veio 1º: O Pastor ou a Drag? Em que momento eles surgiram?
Marcos Lord: Bem, de certa forma quem chegou primeiro foi a Drag. Eu conheci a Comunidade ICM Betel RJ em 2008 e em 2011, por motivações “políticas”, nasceu Luandha. Nossa igreja tem o entendimento que não podemos simplesmente nos reunir para cantar e pregar, sem termos um envolvimento real com a situação de nossa sociedade e com a retirada de direitos. Sendo assim decidimos que precisávamos atuar de alguma forma mais incisiva nas Paradas Gays.  Na Parada de 2011, em favor do casamento civíl igualitário, decidimos fazer uma intervenção usando uma ideia da ICM de SP. Fizemos as “Noivas da ICM RJ”. Foram três noivas, entre elas estava Luandha. O pastor mesmo só foi surgir em 2013, com a eleição para presidente da igreja.

MT: Quando ambos começaram a compartilhar os mesmo espaços? Por que isso aconteceu?
ML: Sempre que havia alguma ação militante ou mesmo uma festa interna da igreja, acabava me montando de Luandha, mas nunca havia uma sobreposição das duas figuras. Até que em 2013, logo após participarmos da Parada Gay de São João de Merití, tivemos que ir direto para o culto e acabei participando montada, ainda fiz uma leitura e chegamos a cantar no Momento de Louvor. No mesmo ano, após a Parada de Copacabana fizemos a mesma coisa, fomos direto para o culto e acabei por celebrar a Eucaristía (Ceia) montada como Luandha. Por mais incrível que pareça a recepção foi muito boa. Este ano (2014), no dia Internacional de Luta Contra a Homofobia (18/05) optei por fazer o sermão como Luandha, foi minha maneira de gritar contra toda forma de preconceito.

MT: Levando em consideração a posição, muitas vezes homofóbica, da Igreja Católica em relação aos LGBT, que importância teria uma Drag Queen que oficialmente celebra cultos em uma igreja?
ML: Na verdade não é uma resposta às igrejas, sejam elas a católica, as evangélicas ou mesmo as “inclusivas”, o objetivo e posicionamento da Comunidade Betel ICM RJ, e da ICM como um todo, é o da radical inclusão, sendo assim não há como conceber que qualquer pessoa, mesmo uma Drag Queen, não tenha seu lugar no culto. Queremos que tod@s se sintam reconhecid@s na igreja, que tenham seu espaço e sua voz representada. É preciso que elas, “as pessoas”, saibam que podem estar ali, que são bem-vindas. As igrejas “tradicionais” logicamente se sentem afrontadas, mas não temos qualquer responsabilidade com isso. Esse é um problema delas e elas que aprendam a lidar com isso.

Em entrevista a Danilo Gentili para o The Noite
MT: Recentemente a Drag RuPaul declarou que o maior inimigo dos gays são os próprios gays. Você concorda? Por que?
ML: Não posso dizer que concordo com ela, infelizmente a visão que ela está tendo é muito simplista, isso ao meu ver. A população LGBT na sua grande parte não é politizada, mas isso é um reflexo da baixa formação escolar de toda a população, da qual ela é apenas um reflexo. Falando ainda mais especificamente do Brasil, o problema se torna ainda pior. Historicamente não temos o hábito de nos mobilizarmos pelo que entendemos ou queremos que seja nosso direito. Não elegemos candidatos que nos representam. Durante muito tempo nos vimos como cidadãos de segunda classe e acabamos por internalizar esse pensamento, hoje a luta deve ser pela conscientização. A religião cristã durante muitos anos foi um forte instrumento para essa conformação e é justamente aí que entra o nosso papel, o de romper com esse estigma.

MT: Como sua família e seus fiéis lidam com o fato de você ser gay assumido, pastor e Drag Queen?
ML: Minha família teve um pouco de dificuldade em lidar com a situação da minha sexualidade no princípio, justamente por causa da formação muito fundamentalista. Quando me montei a primeira vez, eles entenderam o motivo político e quanto aos fiéis da igreja foi um processo ainda mais tranquilo, pois nossa compreensão é da necessidade de romper com paradigmas. Não existe inclusão se não for total e radical. Meia inclusão ainda é exclusão.

MT: Além de pastor e Drag Queen, você ainda é professor da rede pública. Seus alunos já sabiam disso? Existe algum tipo de preconceito por parte deles?
ML: No meu trabalho entendo a educação como um espaço laico, sendo assim, tento trabalhar com eles a compreensão do respeito (que vai bem além da tolerância) às outras religiões e inclusive com a ausência de uma religião, seja no campo formal ou informal. Trabalho com crianças e é incrível você perceber como elas não possuem esses preconceitos que já estão tão enraizados nos adultos. Minha sexualidade não influencia no meu trabalho, a direção da minha escola sabe e respeita. Sou um bom profissional e isso é o que importa.

MT: Como você enxerga o Papa Francisco: Aliado de verdade ou inimigo disfarçado?
ML: Não há como imaginar o que vai no coração de um homem, ainda mais de um que representa uma instituição tão forte mundialmente, mas é preciso perceber que o movimento que vem sendo feito, em favor de um discurso mais flexível por parte da igreja católica em relação aos homossexuais, não é uma surpresa. Somos um quantitativo significativo na população mundial e que vem sendo ignorado pelas igrejas cristãs. Com a perda constante de fiéis para outros segmentos, sejam cristãos ou não, havia de se perceber que a igreja teria alguma reação. A igreja católica é conhecida por sua incrível capacidade de se reinventar e adaptar-se às mudanças na sociedade. Como já disse Jesus: “Quem não é contra nós, é por nós...”

MT: Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Silas Malafaia. Qual o mais perigoso? Por que?
ML: Dos que você citou o mais perigoso acaba sendo o Silas Malafaia, por conta do discurso inflamado e para o qual ele invoca uma legitimidade equivocada. Ele tenta passar do discurso religioso para um discurso social e político, se arvora como o defensor de uma moral e forja argumentos. Como a população em geral não questiona, não tem o hábito de buscar as fontes e averiguar se há verdade em tais discursos, logicamente ele se firma. Mas já existe um segmento dentro das próprias igrejas cristãs que se propõe a repensar a posição dogmática com que tratam a questão das sexualidades.
Os principais e mais medonhos inimigos são os que estão entrincheirados dentro do legislativo e que lutam silenciosamente pela retirada de nossos direitos civís. A tão falada bancada evangélica é mais perigosa que os pastores nos púlpitos. O problema não está na pregação no altar e sim quando ela entra dentro do Congresso Nacional e nas Câmaras Legislativas, Municipais e Estaduais.

Em nome de Jesus: Marcos Lord = Luandha Perón

MT: Qual o papel da Igreja Betel na sociedade em que ela atua?
ML: Nosso papel enquanto igreja é denunciarmos as mazelas sociais que o poder público insiste em ignorar. Não somos somente um “abrigo espiritual”. O povo tem fome e sede de justiça e não dá para esperar pelo céu. Essas necessidades precisam ser supridas aqui. Não somos uma religião alienante, queremos que as pessoas sejam conscientes de seus direitos e procuramos auxiliar da melhor forma possível. Estamos nos preparando para dar início a uma escola de formação, com cursos de aperfeiçoamento e alfabetização de adultos. Nosso grande sonho é termos uma casa de passagem, que seria um espaço para acolher pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade. Hoje temos um bazar que doa roupas e alimentos para pessoas que estão em situação de abandono e temos uma campanha de arrecadação de leite em pó, que direcionamos para uma casa de apoio à crianças soro-positivas. Entendemos que ainda é pouco, mas no momento é o que podemos fazer.

MT: Pedofilia na Igreja: Por que o Vaticano sempre abafa esse caso?
ML: Não é intenção da igreja católica trazer à luz “seus pecados” e reconhecer que seus clérigos são humanos e portanto, falíveis. Esse é um problema que não pode mais ser ignorado e pelo qual ela (a igreja) terá que prestar contas à sociedade.

MT: Podemos afirmar que o Pastor Marcos Lord seria uma versão mais apimentada e lapidada do que foi o bafônico Padre Pinto ou ambos não se comparam?
ML: Não há como comparar sem desrespeitar uma ou outra luta. Somos pessoas distintas e nossas manifestações também o são. Ele lutava internamente, em sua instituição, por mudanças que ele considerava significativas. Minha luta é externa, tenho o apoio da minha igreja e minha denominação. A mensagem que transmito não é só minha, a história das Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM), no mundo inteiro, está cheia de pastores e pastoras que se rebelaram contra o sistema político e social vigente e fizeram de suas próprias vidas instrumentos dessa militância. Luandha Perón é um grito para o mundo que está fora da minha igreja.

MT: Luandha Perón só dubla músicas evangélicas ou ela também “bate cabelo” com músicas consideradas “mundanas”? Como é o trabalho dela nos palcos? Onde ela se apresenta?
ML: Ela infelizmente não se apresenta em palcos externos, mas não separa as músicas em mundanas e sacras. Só existe a música e se formos separar, que seja em “as que eu gosto” e “as que os outros gostam”. Ela normalmente se apresenta nas festas da nossa igreja ou eventos dos irmãos. Mas como toda Drag ela adora fazer graça e acaba aproveitando algumas músicas cristãs que deixam muito  à desejar (risos).

MT: Para finalizar, você acredita ser possível continuar a ver as Paradas LGBT como um evento onde podemos nos manifestar politicamente, lutando por inclusão, celebrando as conquistas dos nossos Direitos Civis, tentando tornar crime a homofobia... ou a Parada perdeu o seu propósito e tudo virou apenas um evento de auto promoção de algumas pessoas dentro de um Carnaval fora de época?
ML: Acho que o grande problema está na forma como as Paradas são vistas pelas pessoas e pelos movimentos sociais. O movimento é pela “visibilidade” gay e não se pode negar que isso ocorre. Temos o direito de nos manifestar e isso se dá quando, ainda que apenas nesse dia, nos beijamos publicamente, nos tocamos sem medo ou pudor, nos despimos de nossos medos e preconceitos e nos mostramos como somos, ou ao menos como gostaríamos de poder ser. Muitas pessoas têm apenas esses dias para serem livres, para fugirem das amarras e máscaras, seria cruel deslegitimar essa forma de protesto. Não podemos engessar o discurso militante ao que eu acho ser político. As Paradas são o nosso grito de liberdade e nelas cada um se manifesta como quer, tem espaço para todas as formas discursivas. Até quem acha que está apenas curtindo, está participando de uma marcha política. Essa é a nossa visibilização.

Agradeço Marcos Lord por essa entrevista maravilhosa. Os leitores que ainda não conheciam seu trabalho, com certeza vão prestar mais atenção ao ouvirem seu nome.
Beijos a todos e até o próximo contato...
Marcello Taurino

Imagens: Aquivo pessoal

Marcello Taurino (do signo de touro) é técnico em contabilidade e iniciou sua carreira artística nos anos 90. É ator performer, audiomaker, videomaker, ativista/militante LGBT, dançarino e aderecista, entre outras aptidões.

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